O quarto está escuro mas uma claridade ofuscante invade meus olhos mesmo fechados. Pressiono-os violentamente para ver se o incômodo vai embora mas nada de melhor acontece. Estico as pernas, tento mentalizar a minha forma como ser humano mas meu corpo está perdido, minha cabeça perde-se dos limites do crânio, meus braços já não estão mais ao meu lado e os pulmões não respiram mais com a calma e frequência de outrem. Um descompasso emocional num limbo entre o o sono e o desperto.
Não tenho
coragem de abrir os olhos para ver qual é a realidade pois tenho medo de
realmente não estar mais composto como em outros tempos imaginei. Entro em um estado meditativo de medo e pesadelos que misturam qualquer som exterior com
alguma imagem apavorante que faz o coração bater em um ritmo estranho.
Retiro a
camiseta que cobria os olhos e descubro que já é dia. Quente lá fora, frio aqui
dentro, frio que que insiste em não abandonar o recinto ignorando por completo
qualquer atividade exterior. Abro portas e janelas, estico o peito para fora e
deixo alguns raios de sol tomarem conta do meu corpo, luz que não incomoda, que
conforta e que me faz lembrar das delícias da vida em grupo, que me faz esquecer
dessa solidão que insisto em trazer para mim. Sento-me no chão e acaricio o vira
lata aqui de casa lembrando das boas palavras da minha família, dos meus
amigos, novos e antigos que, cada um a sua maneira, preocupam-se comigo e muitas
vezes eu insisto em deixar de lado não por uma maldade pura minha, mas por um
medo de não me colocar para o mundo como eu acho que deveria. Lembro das boas
palavras e vejo minha projeção, fecho os olhos e me admiro caminhando e
conversando e fazendo as pessoas rirem ou chorarem, me concentro nos pesos que
já tirei de tantos ombros, nas lições que já deixei em tantas mentes e nos
sorrisos que sei que algumas pessoas ainda tem nas faces por lembrarem-se de
mim.
Agarro-me
nessas memórias para sair de dentro de mim mesmo, desse possível buraco negro
que eu mesmo criei para me esconder da luz com vergonha de mostrar para o mundo
que sou falho, demasiadamente falho, demasiadamente humano, humano.
E com pavor
pego novamente o papel e tremo por escrever as primeiras linhas já que nenhuma
ficção é totalmente ausente de realidade e muitas vezes temos medo de encarar a
nossa própria realidade de dentro do buraco negro, onde os elogios jamais
chegam em sua plena forma, onde a autocrítica assume-se como monstro e faz
das palavras das outras pessoas uma eterna mentira aos seus ouvidos.
Está ótimo
transforma-se em treine mais.
Gostamos de
você transforma-se em temos pena de você.
O auxílio
por amor transforma-se em carregar um fardo.
Existe um
pequeno ponto escuro capaz de cegar o mais genial dos homens. Nossa Caverna de
Platão individual, nossa novela Pulp pessoal, nosso pequeno e privativo Crime
e Castigo, um caminho que os criativos e sensíveis tendem a percorrer já que é
muito fácil perder-se nas sinapses da mente, mas para tudo há uma saída, para
sempre existe luz no final do túnel recheado de desafios que você deve cumprir
“over and fucking over again” e desafiar-se a si próprio acatando as boas
palavras que lhe querem fazer um agrado, os ombros gentis que querem lhe ajudar
a atravessar, os pés que deixam-se ser massageados numa noite solitária com
duas almas muito parecidas, muito perto do fogo, apreciando um silêncio
confidencial de quem talvez não tenha o que falar por que não precisa falar.
E conforme
as palavras vão correndo, seja saindo da boca para o ouvido muito próximo,
sejam elas complicadas ou grunhidos e estalos de um sexo que não aconteceu ou
de um beijo na testa, sejam elas escritas ou lidas, conforme as palavras vão
correndo as sinapses voltam a trafegar para fora desse túnel escuro, fazendo
você sempre lembrar que todo túnel escuro está dentro de uma bela e verde
montanha e mesmo na mais completa escuridão ainda pode-se imaginar os pássaros
cantando lá fora.
O corpo
volta a tomar forma e a mente também. Os caminhos obscuros transformam-se em
entidades que lhe acompanharão pelo resto da vida, sempre aguardando uma
oportunidade para lhe colocar novamente onde você realmente não deseja estar.
Deixo as
memórias saírem livres, as que eu havia agarrado com tanta força e lembro-me
que posso sempre alçar um vôo solitário mas que jamais estarei sozinho.
Click.
2 comentários:
O buraco negro formado pela sombra das folhas entre a visão e o céu... ou o buraco negro causado pelos sentimentos interiores mais intensos e profundos. É como eu sempre digo, seus piores demônios são aqueles q vc mesmo ajuda a criar. Basta escolher, já q não podemos fugir deles.
Adorei o texto, by the way ;D
Cheers, ser anônimo.
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