22.7.14

Dos pesadelos do dia

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O quarto está escuro mas uma claridade ofuscante invade meus olhos mesmo fechados. Pressiono-os violentamente para ver se o incômodo vai embora mas nada de melhor acontece. Estico as pernas, tento mentalizar a minha forma como ser humano mas meu corpo está perdido, minha cabeça perde-se dos limites do crânio, meus braços já não estão mais ao meu lado e os pulmões não respiram mais com a calma e frequência de outrem. Um descompasso emocional num limbo entre o o sono e o desperto.

Não tenho coragem de abrir os olhos para ver qual é a realidade pois tenho medo de realmente não estar mais composto como em outros tempos imaginei. Entro em um estado meditativo de medo e pesadelos que misturam qualquer som exterior com alguma imagem apavorante que faz o coração bater em um ritmo estranho.

Retiro a camiseta que cobria os olhos e descubro que já é dia. Quente lá fora, frio aqui dentro, frio que que insiste em não abandonar o recinto ignorando por completo qualquer atividade exterior. Abro portas e janelas, estico o peito para fora e deixo alguns raios de sol tomarem conta do meu corpo, luz que não incomoda, que conforta e que me faz lembrar das delícias da vida em grupo, que me faz esquecer dessa solidão que insisto em trazer para mim. Sento-me no chão e acaricio o vira lata aqui de casa lembrando das boas palavras da minha família, dos meus amigos, novos e antigos que, cada um a sua maneira, preocupam-se comigo e muitas vezes eu insisto em deixar de lado não por uma maldade pura minha, mas por um medo de não me colocar para o mundo como eu acho que deveria. Lembro das boas palavras e vejo minha projeção, fecho os olhos e me admiro caminhando e conversando e fazendo as pessoas rirem ou chorarem, me concentro nos pesos que já tirei de tantos ombros, nas lições que já deixei em tantas mentes e nos sorrisos que sei que algumas pessoas ainda tem nas faces por lembrarem-se de mim.

Agarro-me nessas memórias para sair de dentro de mim mesmo, desse possível buraco negro que eu mesmo criei para me esconder da luz com vergonha de mostrar para o mundo que sou falho, demasiadamente falho, demasiadamente humano, humano.
E com pavor pego novamente o papel e tremo por escrever as primeiras linhas já que nenhuma ficção é totalmente ausente de realidade e muitas vezes temos medo de encarar a nossa própria realidade de dentro do buraco negro, onde os elogios jamais chegam em sua plena forma, onde a autocrítica assume-se como monstro e faz das palavras das outras pessoas uma eterna mentira aos seus ouvidos.

Está ótimo transforma-se em treine mais.
Gostamos de você transforma-se em temos pena de você.
O auxílio por amor transforma-se em carregar um fardo.

Existe um pequeno ponto escuro capaz de cegar o mais genial dos homens. Nossa Caverna de Platão individual, nossa novela Pulp pessoal, nosso pequeno e privativo Crime e Castigo, um caminho que os criativos e sensíveis tendem a percorrer já que é muito fácil perder-se nas sinapses da mente, mas para tudo há uma saída, para sempre existe luz no final do túnel recheado de desafios que você deve cumprir “over and fucking over again” e desafiar-se a si próprio acatando as boas palavras que lhe querem fazer um agrado, os ombros gentis que querem lhe ajudar a atravessar, os pés que deixam-se ser massageados numa noite solitária com duas almas muito parecidas, muito perto do fogo, apreciando um silêncio confidencial de quem talvez não tenha o que falar por que não precisa falar.

E conforme as palavras vão correndo, seja saindo da boca para o ouvido muito próximo, sejam elas complicadas ou grunhidos e estalos de um sexo que não aconteceu ou de um beijo na testa, sejam elas escritas ou lidas, conforme as palavras vão correndo as sinapses voltam a trafegar para fora desse túnel escuro, fazendo você sempre lembrar que todo túnel escuro está dentro de uma bela e verde montanha e mesmo na mais completa escuridão ainda pode-se imaginar os pássaros cantando lá fora.

O corpo volta a tomar forma e a mente também. Os caminhos obscuros transformam-se em entidades que lhe acompanharão pelo resto da vida, sempre aguardando uma oportunidade para lhe colocar novamente onde você realmente não deseja estar.

Deixo as memórias saírem livres, as que eu havia agarrado com tanta força e lembro-me que posso sempre alçar um vôo solitário mas que jamais estarei sozinho.

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2 comentários:

Anônimo disse...

O buraco negro formado pela sombra das folhas entre a visão e o céu... ou o buraco negro causado pelos sentimentos interiores mais intensos e profundos. É como eu sempre digo, seus piores demônios são aqueles q vc mesmo ajuda a criar. Basta escolher, já q não podemos fugir deles.
Adorei o texto, by the way ;D

Naul disse...

Cheers, ser anônimo.